TEORIA DA RELATIVIDADE ESPECIAL

> Em: terça-feira, 7 de junho de 2011

Referenciais Inerciais

A trajetória de uma partícula só pode ser definida depois da escolha de um referencial.
Um referencial é um sistema de três eixos cartesianos perpendiculares entre si. Cada posição da partícula num dado referencial é indicada por três números (chamados de coordenadas de posição).
A descrição do movimento de uma partícula exige, ainda, um outro eixo, para indicar os instantes de tempo.
Em referenciais diferentes, as posições são indicadas por coordenadas diferentes e o movimento de uma dada partícula é diferente.
Partícula livre é aquela sobre a qual não atuam forças ou, se atuam, a resultante é zero.
A primeira lei de Newton é a afirmação da existência dos assim chamados referenciais inerciais, referenciais esses em relação aos quais uma partícula livre qualquer ou está parada ou em movimento retilíneo uniforme.
Dados os referenciais R e R’, diz-se que R’ se move com velocidade v em relação a R se todos os pontos associados aos eixos de R’ se movem com essa velocidade em relação a R. A figura representa um caso particular. Se R e R' são referenciais inerciais, a velocidade relativa v deve ser constante.
Nas discussões que se seguem, os referenciais considerados são, sempre, referenciais inerciais.

Relatividade de Galileu

Para a mecânica clássica pode-se enunciar o assim chamado princípio da relatividade de Galileu:
As expressões matemáticas que representam as leis da mecânica clássica têm a mesma forma em todos os referenciais inerciais.
Esse princípio pode ser discutido considerando-se os referenciais inerciais R e R’ com eixos paralelos, R' se movendo em relação a R com velocidade v e origens coincidentes em t = t' = 0.
Os vetores r' e r, que representam a posição de uma partícula em R' e em R, respectivamente, estão relacionados pela expressão:
[1] r' = r - vt
Na mecânica clássica, o ritmo do tempo é independente do referencial. Em outras palavras, o tempo é absoluto. Assim:
[2] t' = t
As expressões [1] e [2] constituem as transformadas de Galileu. Elas permitem calcular as coordenadas de posição e tempo no referencial R’ a partir das coordenadas de posição e tempo no referencial R. Com um pouco de álgebra, elas podem ser invertidas para calcular as coordenadas de posição e tempo no referencial R a partir das coordenadas de posição e tempo no referencial R'.
Derivando a expressão [1] em relação ao tempo, levando em conta que o ritmo do tempo é absoluto e que v é constante, e escrevendo u' e u para a velocidade da partícula em R' e em R, respectivamente, segue-se a expressão da transformada de Galileu para a velocidade:
[3] u' = u - v
Agora, derivando essa expressão em relação ao tempo e escrevendo a' e a para a aceleração da partícula em R' e em R, respectivamente, resulta a' = a. E multiplicando os dois lados dessa igualdade pela massa m da partícula, considerada a mesma em R' e em R, segue-se que ma' = ma. Assim, a expressão matemática da segunda lei de Newton tem a mesma forma nos dois referenciais inerciais considerados. Por extensão, pode-se dizer que todas as expressões matemáticas que representam leis da mecânica clássica têm a mesma forma em todos os referenciais inerciais. É usual referir-se a esse fato dizendo-se:
As leis da mecânica clássica são covariantes sob as transformadas de Galileu.
Por outro lado:
As leis do eletromagnetismo clássico não são covariantes sob as transformadas de Galileu.
Essa afirmativa pode ser discutida considerando-se os referenciais inerciais R e R’ com eixos paralelos, R' se movendo com velocidade v ao longo do eixo X de R. Se a luz (ou qualquer outra radiação eletromagnética) se propaga ao longo do eixo X' de R' com velocidade de módulo c, a expressão [3] mostra que ela deve se propagar com velocidade de módulo c + v ao longo do eixo X de R. E como o módulo da velocidade da luz pode ser calculado com as expressões matemáticas que representam as leis do eletromagnetismo clássico, essas expressões matemáticas devem ter formas diferentes em R' e em R e, por extensão, em todos os referenciais inerciais.

Postulados da Teoria da Relatividade Especial

A teoria da relatividade especial é construída a partir do postulado de covariância (ou princípio da relatividade de Einstein) e do postulado da velocidade da luz:
As relações matemáticas que expressam as leis físicas têm a mesma forma em todos os referenciais inerciais.
O módulo da velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor em todos os referenciais inerciais. Sob as transformadas de Galileu, as leis da mecânica clássica são covariantes mas as leis do eletromagnetismo clássico não são. A teoria da relatividade especial é construída estendendo a exigência de covariância às leis do eletromagnetismo clássico.
Desse modo, as coordenadas de posição e tempo de diferentes referenciais inerciais passam a ser relacionadas não mais pelas transformadas de Galileu e sim, pelas transformadas de Lorentz. Como conseqüência, as expressões matemáticas que expressam certas leis da mecânica são substituídas por outras, com implicações muito interessantes. Por outro lado, como o módulo da velocidade da luz (ou de qualquer outra radiação eletromagnética) pode ser calculado com as expressões matemáticas que representam as leis do eletromagnetismo clássico, esse módulo deve ter o mesmo valor em todos os referenciais inerciais.

Transformadas de Lorentz

As transformadas de Lorentz podem ser discutidas considerando-se os referenciais inerciais R e R’ com eixos paralelos, R' se movendo em relação a R com velocidade v e origens coincidentes em t = t' = 0.
Segundo as transformadas de Galileu, x' = x - vt. Essa expressão não está de acordo com o postulado que estabelece que o módulo da velocidade da luz no vácuo é o mesmo em todos os referenciais inerciais. De qualquer forma, é apropriada se v << c, ou seja, para os fenômenos descritos pela mecânica clássica. Por isso, a transformada apropriada para valores arbitrários de v deve ter a forma:
[1] x' =  ( x - vt )
com o fator gama tendendo à unidade para v << c. Pela mesma razão, a transformada inversa pode ser escrita:
x =  ( x' + vt' )
Agora, se um raio de luz é emitido em t = t’ = 0 por uma fonte em x = x’ = 0, ele atinge a posição x’ = ct’ no referencial R’ e a posição x = ct no referencial R no instante de tempo t. Aqui deve-se observar que tanto em R' quanto em R o módulo da velocidade da luz é c, de acordo com o postulado da velocidade da luz. Com isso, as expressões acima ficam, respectivamente:
[2] ct' =  ( c - v ) t
ct =  ( c + v ) t'
Isolando a variável t’ numa dessas expressões e substituindo-a na outra vem, depois de um pouco de álgebra:
e com x' = ct' e x = ct nas expressões [1] e [2]:
Estas são as transformadas de Lorentz para a situação particular representada na figura. De qualquer modo, essas transformadas permitem calcular as coordenadas de posição e tempo no referencial R’ a partir das coordenadas de posição e tempo no referencial R.

Dilatação Temporal

Sejam R e R' dois referenciais inerciais com eixos paralelos e com R’ se movendo ao longo do eixo X de R com velocidade v. Para discutir a dilatação temporal seja, ainda, uma fonte de luz imóvel na origem de R'. A fonte emite dois pulsos de luz. O primeiro pulso no instante t'1 em R' e t1 em R e o segundo pulso no instante t'2 em R' e t2 em R.
Como a fonte está em repouso no referencial R', os pulsos são emitidos na mesma posição nesse referencial.
Pelas transformadas de Lorentz, t1 = t= t'1 e t2 =  t'2 e destas expressões, com t = t2 - t1 e t0 = t'2 - t'1, segue-se que:
t =  t0
Aqui, t0 representa o intervalo de tempo próprio, ou seja, o intervalo de tempo medido no referencial em relação ao qual os pulsos são emitidos na mesma posição.
Ainda, como v < c vem  > 1 e t > t0.
Em palavras: o intervalo de tempo entre dois eventos medido num referencial inercial qualquer é sempre maior do que o intervalo de tempo entre os mesmos dois eventos medido no referencial em que os eventos ocorrem na mesma posição. Isso é o que se chama de dilatação temporal. Desta forma, o ritmo do tempo é relativo e não absoluto, isto é, depende do referencial considerado. A dilatação temporal não se origina de defeitos ou diferenças na fabricação dos relógios mas é, sim, conseqüência da própria natureza do tempo.

Exemplo

Raios cósmicos, colidindo com partículas da atmosfera superior, criam, entre outras partículas, mésons p, que decaem, originando mésons m, que também decaem, produzindo outras partículas. O decaimento de um conjunto de partículas da mesma espécie é descrito pela expressão:
N = N0 exp [ - 0,693 t /  ]
onde N0é o número inicial de partículas, N é o número delas que não decairam depois do intervalo de tempo t e t é a meia vida, ou seja, o intervalo de tempo durante o qual metade das partículas decaem.
Para os mésons  no referencial em que eles estão em repouso,  3 x 10 -6 s.
A 5.000 m acima do nível do mar e ao nível do mar são detectados, no mesmo intervalo de tempo, respectivamente, 106 e 4,7 x 105mésons m com velocidade de módulo v = 0,98 c.
No referencial em relação ao qual a Terra está em repouso, os 5.000 m são percorridos pelos mésons m em:
t = d / v  ( 5.000 m ) / [ 0,98 ( 3 x 10 8 m/s ) ]  1,7 x 10 -5 s
e no referencial de repouso dos mésons  (ao qual a meia vida dada acima se refere):
t 0 = t /   ( 1,7 x 10 -5 s )[ 1 - ( 0,98 )2 ]1/2 3,38 x 10 -6 s
Com esse valor de t 0, o valor de t dado acima e N 0 = 10 6, a expressão matemática do decaimento fornece:
 10 6 exp [ - ( 0,693 )( 3,38 x 10 -6 s ) / ( 3 x 10 -6 s ) ]  4,58 x 10 5
Esse resultado concorda com o valor 4,7 x 10 5 dado acima para o número de mésons  detectados ao nível do mar. Caso o valor 1,7 x 10 -5 s fosse usado, o resultado seria N  1,97 x 10 4 (muito diferente do valor detectado).

Contração de Lorentz

Sejam R e R' dois referenciais inerciais com eixos paralelos e com R’ se movendo ao longo do eixo X de R com velocidade v. Para discutir a contração de Lorentz seja, ainda, uma régua paralela à direção do movimento relativo dos referenciais e em repouso em R', com extremidades em x'1 e x'2. Em R, a régua está em movimento com extremidades em x1 e x2. Pelas transformadas de Lorentz:
x' 1 =  ( x1 - vt1 )
x' 2 =  ( x2 - vt2 )
Como o comprimento da régua é dado em R' por L0 = x'2 - x'1 e em R por L = x2 - x1, com as posições das extremidades determinadas no mesmo instante, ou seja, com t1 = t2, as expressões acima fornecem:
L0 =  L
Aqui, L0 representa o comprimento próprio da régua, o comprimento no referencial em que ela está em repouso.
Ainda, como v < c vem g > 1 e L0> L.
Em palavras: o comprimento da régua medido num referencial inercial qualquer é sempre menor do que o comprimento medido num referencial inercial em relação ao qual ela está em repouso. Isso é o que se chama de contração de Lorentz. Para um objeto qualquer, a contração de Lorentz está associada à dimensão paralela à direção da velocidade relativa dos referenciais considerados. Nesse sentido, as dimensões dos objetos são relativas e não absolutas, isto é, dependem do referencial considerado. A contração de Lorentz não vem de qualquer mudança nas distâncias entre os constituintes básicos dos objetos devido a alguma mudança nas forças de interação mas é, sim, conseqüência da própria natureza do espaço.

Simultaneidade

Sejam R e R' dois referenciais inerciais com eixos paralelos e com R’ se movendo ao longo do eixo X de R com velocidade v. Para discutir o conceito de simultaneidade sejam, ainda, dois relógios A e B idênticos.
Em R, os relógios estão em repouso e sincronizados e, num dado instante, cada um emite um pulso de luz. Os pulsos são, depois, detectados na posição intermediária x. Assim, em R, os pulsos são emitidos e detectados simultaneamente.
No instante em que os pulsos são emitidos, a posição x de R coincide com a posição x' de R'. Como A se afasta e B se aproxima de x' e como o módulo da velocidade da luz é finito e tem o mesmo valor em todos os referenciais inerciais, os pulsos não são detectados simultaneamente em x'.
Assim, dois eventos simultâneos num referencial inercial podem não ser simultâneos em outro referencial inercial. Em outras palavras, relógios sincronizados num referencial inercial podem não estar sincronizados em outro referencial inercial. O conceito de simultaneidade é relativo.

Medida e Aparência Visual

Um observador em repouso num dado referencial fotografa uma régua. Pela fotografia, o observador calcula as coordenadas de posição das duas extremidades da régua e, destas coordenadas, calcula o comprimento da régua.
A imagem da régua é formada no filme fotográfico pelos raios que chegam no mesmo instante. O módulo da velocidade de propagação da luz é finito. Então, os raios que formam as imagens das extremidades da régua no filme fotográfico, aquele que vem da extremidade mais distante e aquele que vem da extremidade mais próxima, foram emitidos em instantes diferentes.
A contração de Lorentz é deduzida com a exigência de que as posições das extremidades da régua sejam determinadas no mesmo instante. Essa exigência configura o ato de medir. Portanto, no contexto da teoria da relatividade especial, o que se mede é diferente do que se fotografa (ou vê).
Por outro lado, se a régua se desloca com velocidade u ao longo de eixo X do referencial considerado, sempre paralela ao eixo Z, e é observada em O', o raio proveniente da extremidade B’ deve ter partido com a régua na posição indicada por A’ e B’ e o raio proveniente da extremidade A deve ter partido um pouco antes, com a régua na posição indicada por A e B. A imagem formada na retina do observador em O' corresponde a uma régua com extremidades em A e B’. Assim, a régua aparece girada.
De modo geral, objetos em movimento relativo ao observador com velocidades de grandes módulos são vistos menores na direção do movimento e levemente girados.

Transformadas de Velocidade

Sejam os referenciais inerciais R e R’ com eixos paralelos, R' se movendo ao longo do eixo X de R com velocidade v e origens coincidentes em t = t' = 0, e uma partícula com velocidade u em R e u' em R’. As coordenadas dessa partícula em R' estão relacionadas às coordenadas em R pelas transformadas de Lorentz:
Como v é constante, segue-se que dx =  ( dx' + v dt' ), dy = dy', dz = dz' e dt = g [ dt' + ( v / c2 ) dx' ] e, destas, dividindo a primeira, a segunda e a terceira pela quarta e escrevendo uX, uY, uZ e u'X, u'Y, u'Z para as componentes de u e u', respectivamente, vem:
Estas são as transformadas de velocidade, ou seja, as transformadas de Lorentz para os módulos das componentes de velocidade no caso particular em que os referenciais inerciais R e R’ têm eixos paralelos, R' se move ao longo do eixo X de R com velocidade v e as origens coincidem em t = t' = 0.

Exemplo 1

Uma partícula se move sobre os eixos X e X’. As componentes de u ao longo dos eixos Y e Z e as componentes de u' ao longo dos eixos Y' e Z' são nulas. Escrevendo, por simplicidade, uX = u e u’X = u’, a primeira transformada de velocidade dá:
Portanto, se u’ < c e v < c, então u < c. E se u’ c e v  c, então u  c. Assim, a velocidade resultante da soma de duas velocidades não pode ter módulo maior do que o módulo da velocidade da luz no vácuo.

Exemplo 2

Sejam dois referenciais inerciais R e R'. Em R, as partículas A e B se movem em sentidos opostos sobre o eixo X com velocidades de módulos iguais a 0,70c. Em R', a partícula A está em repouso.
A expressão acima pode ser usada para calcular o módulo da velocidade relativa dessas partículas, isto é, o módulo da velocidade da partícula B em R’, o referencial de repouso da partícula A.
Então, tomando, no referencial R, os módulos das velocidades das partículas A e B como sendo, respectivamente, v = 0,70c e u = - 0,70c obtém-se u’  - 0,94c. Os sinais negativos em u e u' indicam que os movimentos da partícula B têm sentidos contrários àqueles considerados positivos para os eixos X de R e X' de R', respectivamente.
O módulo da velocidade relativa calculado pela mecânica clássica resulta u' = - 1,40c.
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